Poema do Gato

Quem há-de abrir a porta ao gato

quando eu morrer?


Sempre que pode

foge prá rua

cheira o passeio

e volta para trás,

mas ao defrontar-se com a porta fechada

(pobre do gato!)

mia com raiva

desesperada.


Deixo-o sofrer

que o sofrimento tem sua paga,

e ele bem sabe.


Quado abro a porta corre para mim

como acorre a mulher aos braços do amante.

Pego-lhe ao colo e acaricio-o

num gesto lento,

vagarosamente,

do alto da cabeça até ao fim da cauda.

Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,

olhos semi-cerrados, em êxtase,

ronronando.


Repito a festa,

vagarosamente,

do alto da cabeça até ao fim da cauda.

Ele aperta as maxilas,

cerra os olhos,

abre as narinas,

e rosna,

rosna, deliquescente,

abraça-me

e adormece.


Eu não tenho gato, mas se o tivesse

quem lhe abriria a porta quando eu morresse?

António Gedeão

Este é o primeiro poeta que publiquei neste blog, a sua escolha é tudo menos arbitrária, sem desprimor para os grandes vultos portugueses (Camões e Fernando Pessoa) e outros (por ex. Florbela Espanca e Manuel Alegre) de quem também gosto muito, António Gedeão é o poeta da minha eleição, o que mais me estimula, surpreende, afecta. Este é o poeta ideal para quem quer começar a ler poesia e também para quem pensa que não gosta, porque ele é de facto muito acessível.

O poema em si também teve razão de ser, quem me conhece sabe o quanto adoro gatos. A ideia era colocar junto a ele uma foto das minhas gatas, como não tenho aqui nenhuma, fica prometido para mais tarde.

(Qual o bloguista que não publica fotos do seu animal de estimação? Eu sei que é kitsch, mas é mais forte do que eu.)

1 comment:

GG said...

Epá, fotos das tuas gatas é coisa que não falta ;-) e videos tb não ...