Um mês, um livro, um excerto... sem comentários, porque as palavras falam por si.
Mariana Alcoforado, Catherine Vaz
Excerto da terceira de cinco cartas:
"Não sei o que sou, nem o que faço, nem o que quero; estou despedaçada por mil sentimentos contrários. Pode imaginar-se estado mais deplorável? Amo-te de tal maneira que nem ouso sequer desejar que venhas a ser perturbado por igual arrebatamento. Matar-me-ia ou, se o não fizesse, morreria desesperada, se viesse a ter a certeza que nunca mais tinhas descanso, que tudo te era odioso, e a tua vida não era mais que perturbação, desespero e pranto. Se não consigo já suportar o meu próprio mal, como poderia ainda com o teu, a que sou mil vezes mais sensível? Contudo, não me resolvo a desejar que não penses em mim; e confesso ter ciúmes terríveis de tudo o que em França te dá gosto e alegria, e impressiona o teu coração.
Não sei porque te escrevo: terás, quando muito, piedade de mim, e eu não quero a tua piedade. Contra mim própria me indigno, quando penso em tudo o que te sacrifiquei: perdi a reputação, expus-me à cólera de minha família, expus-me à cólera de minha família, a severidade das leis deste país para com as freiras, e à tua ingratidão, que me parece o maior de todos os males. Apesar disso, creio que os meus remorsos não são verdadeiros; do fundo do meu coração queria ter corrido ainda perigos maiores pelo teu amor, e sinto um prazer fatal por ter arriscado a vida e a honra por ti. Não deveria oferecer-te o que tenho de mais precioso? E não devo sentir-me satisfeita por ter feito o que fiz? O que me não satisfaz, pelo menos assim me parece, é o sofrimento e o desvario deste amor, embora não possa, pobre de mim!, iludir-me a ponto de estar contente contigo. Vivo - que infidelidade! - e faço tanto por conservar a vida como por perdê-la! Morro de vergonha! Então o meu desespero está só nas minhas cartas? Se te amasse tanto como já mil vezes te disse, não teria morrido há muito tempo? Enganei-te, és tu que deves queixar-te de mim. Ah, porque não te queixas? Vi-te partir, não tenho esperança de te ver regressar e no entanto respiro. Atraiçoei-te; peço-te perdão. Mas não, não me perdoes! Trata—me com dureza. Que a violência dos meus sentimentos te não baste! Sê mais exigente!"