"Candidinha:
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Só! Quem é pobre é para o que nasce. Depois vem a velhice e ainda é pior. E se a gente pede pão dão-nos escárnio. Eu ainda tenho experiência da vida, que é o que me vale... Olha, vou-to dizer porque sou tua amiga. (Mais baixo) Tenho-lhes ódio, odeio todos esses ricos que me fazem bem e que me dão de comer. Eles dão-me de jantar mas é por vaidade, para dizerem lá consigo: - «É por caridade, cá temos hoje a Candidinha por esmola.» - Eu abaixo a cabeça e humilho-me, mas se tu soubesses a inveja e o ódio que lhes tenho! A Candidinha vai, a Candidinha vem, de rastos como a cobra. Um vestido de seda, um chapéu, as suas alegrias, as maiores e as mais pequenas, tudo lhes invejo, tudo!... Às vezes de tanto invejar fico com uma dor aqui. Até me vem a palpitação. E como eu me alegro quando há desgraça numa casa!"
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"O Gebo e a Sombra", Raul Brandão