Todo o homem tem vícios, ou paixões, ou gostos preversos, mas o seu dever é escondê-los e mostrar-se apenas aos seus semelhantes como um ser regrado e bem equilibrado. Era assim, por exemplo, que apesar de gostar de genebra, Alípio nunca se entregava a esta inclinação na publicidade brutal dos botequins ruidosos: aí, tomava regradamente o seu copo de orchata. Mas, tendo assim cumprido o seu dever de homem, de cidadão, de premiado, dando um exemplo severo de sábia sobriedade, julgava poder, sem escrúpulos, depois de satisfeito o dever, satisfazer a inclinação; e em casa, no seu quarto solitário, usava com largueza da garrafa de genebra que guardava debaixo da cama, no caixote da roupa suja. Tocante exemplo de respeito pessoal e de submissão à decência!
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"O Conde D'Abranhos", Eça de Queirós
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Já há muito que devia ter lido este livro, mas mais vale tarde do que nunca, acabei de o ler. Adorei, para variar, ou não se tratasse de Eça. Um retrato fabuloso de um homem e de uma sociedade como só o Eça sabe fazer, recheado de ironia e crítica velada. A actualidade desta obra é gritante. Quantos Alípios andam por aí....
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Agora venha o 2666, uma das minhas prendas de natal :). Haja fôlego!