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Gosto de toda a obra de Pessoa, mas este heterónimo, pela sua influência clássica e pela sua alma torturada, sombria e pessimista, cativa-me especialmente.
Este poema é bastante elucidativo do seu ser. A constante busca da dormência das emoções, a anulação dos prazeres da vida, mas também das dores.
Ode
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quise'ssemos, trocar beijos e abrac,os e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
- Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
4 comments:
É o poema de que mais gosto do Ricardo Reis. Aqui se prova que, por mais que se queira, não se pode fugir da vida para sempre. Enlacemos as mãos... ;)
Já agora... Esta é uma daquelas fotos que eu ainda não tenho, deduzo!
Não, esta foi mesmo sacada da net. As nossas ainda não foram reveladas, liguei no outro dia para a loja, disseram que estavam quase... ;))
Pois... a loja Verónica Isabel! E não há livro de reclamações? ;)
O paganismo, o epicurismo triste de Reis está bem explícito neste poema emblemático. N adianta entrar na paixão e no amor arrebatadores, pq trazem sofrimento... o prazer moderado, sp calculado... como Reis está a ser hipócrita!!! :-) Na verdade ele é um romantico inveterado e obscuro, negro, sim.
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