A propósito das comemorações dos 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa, no dia 13 de Junho de 1888, deixo aqui um poema do meu heterónimo favorito, Ricardo Reis.
Gosto de toda a obra de Pessoa, mas este heterónimo, pela sua influência clássica e pela sua alma torturada, sombria e pessimista, cativa-me especialmente.
Este poema é bastante elucidativo do seu ser. A constante busca da dormência das emoções, a anulação dos prazeres da vida, mas também das dores.
Ode
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quise'ssemos, trocar beijos e abrac,os e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
- Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
4 comments:
É o poema de que mais gosto do Ricardo Reis. Aqui se prova que, por mais que se queira, não se pode fugir da vida para sempre. Enlacemos as mãos... ;)
Já agora... Esta é uma daquelas fotos que eu ainda não tenho, deduzo!
Não, esta foi mesmo sacada da net. As nossas ainda não foram reveladas, liguei no outro dia para a loja, disseram que estavam quase... ;))
Pois... a loja Verónica Isabel! E não há livro de reclamações? ;)
O paganismo, o epicurismo triste de Reis está bem explícito neste poema emblemático. N adianta entrar na paixão e no amor arrebatadores, pq trazem sofrimento... o prazer moderado, sp calculado... como Reis está a ser hipócrita!!! :-) Na verdade ele é um romantico inveterado e obscuro, negro, sim.
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